o não-italiano

A primeira coisa que reparara ao vê-lo descer do carro foram os sapatos: italianos, sem laços. Ela tinha algo com os italianos... fossem os sapatos, fossem os amantes. E sempre sem laços, ambos. Extravagantes por fora, suaves por dentro...

Não pudera evitar a decepção à primeira vista. Não uma total decepção, mas uma decepção parcial, quanto ao seu porte físico. Não era alto, nem musculoso e tampouco tinha os cabelos compridos e encacheados o suficiente, mas principalmente, não tinha o nariz portentoso dos italianos. O nariz fora o que mais ressaltara aos olhos. Pequeno, extremamente pequeno. Mas ele tinha a fama... e o acento necessário para o trabalho:

– Good morrningee Miss Cadbury.

– Bom dia Tomazzo. Sem frescura comigo, ok? Guarde o seu inglês arrastado para uma ocasião apropriada. Trouxe a encomenda?

– Claro. A propósito, já que é para cortar a frescura, meu nome não é Tomazzo, é Severino.

– E você por acaso acha que me chamo Cadbury? Até que termine o serviço teu nome é Tomazzo, entendido? – cearense filho da puta, pensou.

– Entendido – Piranha, pensou Severino.

Ambos entraram na biblioteca da mansão e não trocaram uma palavra durante os 15 minutos seguintes, até que ela terminasse de ler os documentos.

– Pelo que parece está tudo aqui. Espero que você entenda a importância que o sigilo tem nesta operação.

– Signora Cadbury, sono uno professionale. Tene mia parole de que...

– Não quero sua palavra, Tomazzo. Não trabalho com palavras, trabalho com contratos e reputação. Se falhar, considere-se morto. Se literalmente ou em sua reputação é o que terá que descobrir, se é que deseja pagar o preço.

– De maneira alguma signora Cadbury. Tenho um nome a zelar.

– Gosta de cavalos, Tomazzo?

– Cavalos?

– Sim, garanhões, fortes e velozes, imponentes...

– Não particularmente.

– Deveria.

Ela fecha a cortina, passa para detrás da mesa de trabalho.

– Err.. resta apenas um pequeno detalhe, signora Cadbury... – diz Severino, que com um leve esfregar de dedos insinua o conhecido gesto para dinheiro. – Como combinado, seria metade na entrega dos documentos e metade depois da queima do arquivo.

– Claro. Me desculpe.

Ela enfia a mão na gaveta da mesa e tira uma Taurus Modêlo 605 de dupla ação, uma jóia! O gatilho é tão suave que ela mal tem tempo de notar as particularidades na feição de Severino, da surprêsa ao espanto, daí ao medo e ao pânico. Só depois dos quatro tiros é que ela pôde desfrutar suas feição triste, de arrependimento mesmo, porém muito breve, dando logo lugar à cara fria da morte.

– Mas que porra é essa, Marilucineide! Estes documentos confirmavam o desvio de mais de 1 bilhão de dólares dos cofres públicos... quem quer que seja que os tinha controlava quase todos os ministérios, setores da economia, manipulava grandes contratos nos escalões do governo, criava contas fantasmas e o caralho... e você atira no cara que veio negociar?!? Tá doida mulher?

– Sabe, Francisco... nós mulheres temos certos problemas topológicos. Precisamos das coisas certas nos lugares certos e nas horas certas... gostamos de perder horas experimentando sutiãs até encontrar aquele que combine direitinho com o vestido sem costas, aquela calcinha que não deixa nem uma marquinha, para usar com aquela calça apertada. Temos nossos próprios critérios para combinar as cores, que sempre precisam ir muito bem com a bolsa; temos opiniões pessoais sobre “as outras” que usam camiseta branca sem sutiã por baixo, ou peças com estampas de oncinha; temos loucura por certos tecidos, como a seda pura ou a casimira. Quando estamos felizes e seguras com nossas roupas e estilo, sentimos que podemos dominar o mundo! Mas quando não acordamos bem, ou se um salto quebra, um brinco se perde, borramos a maquilagem ou mesmo quando um filho da puta lá da minha terra tenta se passar por italiano, e o corno nem narigudo é, aí essas merdas todas podem acontecer...

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